O retrato do circo Stankowich na pandemia

Caroline Campos
6 min readSep 28, 2020

Unidade Pink faz parte da atração mais antiga do país e sofre com os efeitos da quarentena

A entrada já não recebe visitantes há seis meses (Foto: Vitor Tenca)

Texto por Caroline Campos/Fotos por Vitor Tenca

A fachada não deixa dúvidas. “Circo Stankowich — tradição desde 1850” estampa todos os trailers e caminhões na Unidade Pink, localizada desde março em Mairiporã, SP. O circo é o mais antigo em atividade no país, desde que Pedro Stankowich desembarcou na América Latina, fugindo de uma guerra lá na Romênia. Na sexta geração da família, a unidade é encabeçada por Marlon Stankowich, tataraneto de Pedro.

Os artistas estavam prontos para dar início a mais uma onda de espetáculos. Picadeiro montado, caminhões estacionados — hora do show. Pelo menos, era o que se esperava. A pandemia do novo coronavírus pegou a todos de surpresa, e, após cerca de uma semana, o circo precisou fechar as portas. Desde então, os artistas e funcionários do Grande Circo Stankowich sobrevivem vendendo biscoitos, maçãs-do-amor, algodão-doce e bolas de plástico nos arredores de Mairiporã.

José Telló, argentino, coordena a montagem do circo, mas já diz que quer ir para casa (Foto: Vitor Tenca)

Com as mãos manchadas de vermelho, Silmara Stankowich pede desculpas pelo visual. Desde o começo da manhã, ela, Carla Stankowich e outras funcionárias estavam no fogão do trailer fazendo maçãs-do amor. “A gente faz desde cedo, aí dá uma parada para o almoço e já sai para vender pela cidade”, diz Silmara, que é bailarina e secretária na Unidade Pink. O forte barulho do gerador foi a trilha sonora de toda a conversa — a prefeitura de Mairiporã, apesar de não estar cobrando o terreno nem a água, ainda cobra a luz. Com isso, as luzes ficam apagadas durante o dia para diminuir a conta caríssima que chega no final do mês, e o gerador ajuda nas despesas.

Silmara nasceu no mundo circense, e ama desde pequena a arte milenar. Apesar das dificuldades, a bailarina ficou muito contente com o apoio da cidade. “A população abraçou mesmo o circo, sabe. Mesmo assim, eles ainda vêm saber o que estamos precisando”, ela completa. Apesar dos pesares, Silmara diz que vão sobrevivendo, do jeito que conseguem.

A lona montada sem espetáculos (Foto: Vitor Tenca)

Em cenários normais, o circo chega a receber até 800 pessoas em uma apresentação, que conta com cerca de 50 artistas no palco. Um deles é Leonardo Vinícius, que tem apenas 25 anos de idade, mas longos 13 de história circense. Globista (motoqueiro do globo da morte), Leonardo afirma que a tradição vem de família — seus parentes possuem um circo que, atualmente, está parado na cidade de Uberaba, MG. O artista também trabalha como caminhoneiro quando o espetáculo transita entre cidades, e, infelizmente, conta que soluções como o drive-in não são viáveis. “Acaba que sai muito caro e entra pouco dinheiro. Não é o suficiente para pagar os artistas”, diz Leonardo. Por enquanto, discutem apenas alternativas, como a de agregar os caminhões em empresas de transporte para gerar alguma renda extra.

A infância na vida nômade dos espetáculos não é nem um pouco incomum. Durante nossa passagem pelo Stankowich, Guilherme Ribeiro, de 12 anos, e Isabela Rocha, de 9, se divertiam com piruetas de ponta cabeça no tecido aéreo. A brincadeira, no entanto, não durou muito. Logo, já estavam sentados fazendo contas, sob a tutela de Rosana Lima, que trabalha com o caixa. Com as escolas também paradas, Rosana diz que o jeito é se virar com o material que possuem. Apesar disso, Guilherme é determinado: ainda não se apresenta, mas quer trabalhar logo com as cambalhotas na faixa. Isabela, também, mostrou todo o seu talento ao lado do amigo, posando para as fotos com um grande sorriso no rosto.

Apesar da foto estourada, as gargalhadas de Guilherme no tecido ficam claríssimas (Foto: Vitor Tenca)

Hany Vaz, ao contrário, ainda não decidiu se quer seguir na vida circense. Filha da bailarina Vanessa Vaz, a menina de cabelos coloridos completou 11 anos um dia após nossa visita. “Eu quero [me apresentar], mas ao mesmo tempo não quero. Ainda não sei”, brinca a garota. Bem diferente de sua mãe Vanessa, que, entre idas e vindas, já possui 15 anos de circo na sua trajetória. A bailarina está entre os fragilizados pela quarentena, mas relembra que alguns artistas saíram para procurar eventos independentes para atuar. “Se você conseguir algum outro trabalho, você pode ir. Só conversar com o patrão, mesmo se você não for voltar para o circo depois”.

Entre os aproximadamente 80 moradores da Unidade Pink do Stankowich, Elói Rodrigues da Silva acumula mais de 40 anos de profissão. Hoje, administra a parte elétrica, mas já foi de trapezista até palhaço — batizado de “Chocolate”. Toda a família de seu Elói também é envolvida na arte: filho, filha, netos. O funcionário conversa orgulhosamente sobre seu sangue, principalmente sobre seu filho, que é globista nos Estados Unidos, outro país afetado de forma severa pela pandemia de coronavírus. “O circo é parte da minha família. Vai passando de pai para filho”, diz seu Elói. Ele ainda relembra os espetáculos que trabalhou com animais, que hoje em dia o Stankowich não mais utiliza. Apenas 12 estados brasileiros criminalizam a prática.

Elói nos mostra a foto de seu filho com a esposa, lá em terras yankees, e os pôsteres do circo em que eles trabalham (Foto: Vitor Tenca)

O circo, infelizmente, ainda não possui previsão para voltar às atividades. Os artistas e funcionários precisam se revezar nos afazeres, seja produzir ou vender. Valéria Robatini, que é bilheteira e propagandista, usa uma única palavra para descrever a situação: “Horrível!”. Assim como os outros, Valéria também está parada por conta da pandemia. “Ficar sem fazer nada e sem ganhar dinheiro também é bravo”, ela comenta, ressaltando o medo do corte da luz do circo.

A unidade Vermelha, irmã da Pink, é comandada pelo irmão de Marlon, Márcio Stankowich, e está estacionada em Itupeva, SP. Recentemente, anunciaram em seu Facebook a reabertura do espetáculo para o público em sua arquibancada, garantindo todas as normas de segurança, já que a cidade avançou para a Fase Amarela do Plano de São Paulo. Antes, era possível prestigiá-los por drive-in, com um número bem reduzido de vagas de carro. Mairiporã segue na Fase Laranja.

O espaço do circo se transforma em uma cidade com seus moradores em trailers (Foto: Vitor Tenca)

Entre todos os presentes, o sentimento era um só: saudade. Saudade do picadeiro, do público, do espetáculo. 2020 não está sendo um ano fácil, e os que vivem da arte sofrem ainda mais com o necessário isolamento social. No entanto, a Unidade Pink do circo Stankowich lida com a crise do jeito que pode, sendo extremamente acolhedora com seus visitantes. Espera-se que momentos melhores venham e que os artistas consigam se reerguer do baque — para manter sempre viva a magia circense. Por enquanto, também contam com nossa ajuda. Para doações, entre em contato com Claudiana Rocha através do telefone (14) 98155–1461.

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Caroline Campos

Praticando o jornalismo desde 2019 — ou, até então, tentando.